Manuel Pereira da Costa
Manuel Pereira da Costa
Calíope Sacra, que em doze sonetos à Real Fundação do Convento de Mafra consagra reverente à Majestade Augusta, e Fidelíssima de el Rei D. José I, nosso senhor
Soneto 1
Salve, Panteão sagrado, esclarecido,
Onde do Luso Nume a impulso ardente
Milagroso o cinzel, fino, e eloquente
Deu alma ao bronze, ao mármore sentido.
Salve outra vez, e mil, ó tu luzido
Do melhor Sol Palácio, que eminente
A essa esfera te elevas refulgente
Olimpo de alabastros construído.
O' nunca, Panteão sempre famoso,
Te negue o tempo a impulsos de tirano,
Cultos, que consagrar deve obsequioso.
Mas só cante, que o Numen Lusitano
Em teus jaspes lavrar quis portentoso
Uma inveja imortal ao Vaticano.
Soneto 2
Detém‑te, ó peregrino, e reconhece
Os prodígios, que encerra este edifício
Maravilhoso avulta o frontispício,
Insigne o capitel mais resplandece.
Olha esse pincel raro, que parece,
Apeles reviveu nele sem vício
Observa deste cedro o artifício
O que aprendera Fídias se vivesse.
Que pórticos, que estátuas, que luz pura
Unir-se vejo neste jaspe atento!
Ilustre Nume inculca esta estrutura.
Não pode humano ser tanto portento
Toda esta sacra, insigne arquitectura
Obra foi, que desceu do firmamento.
(Nas letras iniciais do 2º e 3º Sonetos se lê o nome do Augustíssimo Fundador)
Soneto 3
Divina arquitectura, que elevada
Os raios douras dessa quarta esfera,
Mostrando no esplendor, que reverbera,
Incêndios, que em ti bebe iluminada.
Os teus voos abate, que assustada
A luzida região toda se altera,
Ou movida do ardor, que em ti venera
Ou do excesso, que alentas remontada.
Que pretendes? Que lá no etéreo lume,
Venerado o Monarca aplausos some;
Já que a terra por grande o não resume?
Novas terras, e Céus teu impulso tome,
Todo o Céu verás breve a tanto Nume
O mundo todo estreito a tanto Nome.
Soneto 4
Sacro excelso edifício, empresa rara
Do Luso quinto João Rei sempre Augusto,
Monarca, a quem o Tejo ao Indo adusto
Vota a fama atenções, cultos prepara.
Construção gloriosa a mais preclara,
De quantas conta a idade a imortal susto,
Ter na boca do tempo aplauso justo,
Ser às luzes do Sol inveja clara.
Em ti só reverente o meu respeito,
Assombrado de tanta imensidade,
Novos cultos consagra ao Augusto peito.
Oh vive pois, e canta à eternidade,
Que igual em ti se ostenta sem defeito
A grandeza do Templo à Majestade.
Soneto 5
Atende, ó Fábio, e vê que presumido
Este Templo às esferas se remonta;
De Deus brilhante é já luzida afronta
Quanto em golfos de luz surca aplaudido.
Vê como infunde ao pólo esclarecido
Novas constelações, que altivo conta,
Olha o ar como à chama viva, e pronta,
Resplandece mais puro, e mais luzido.
Não bastara a copiar tantos primores
Esse, que em sombras deu vida a Campaspe,
Raios sendo os pincéis, luzes as cores.
Viste portento igual do Tejo ao Idaspe?
Não te parece em pompa, e resplendores
Planeta de alabastro em Céu de jaspe?
Soneto 6
Este Templo, que ao tempo assusta ufano,
Da arquitectura empenho o mais perfeito,
Raro foi, que votou à esfera aceito
Sacrifício o Monarca Lusitano.
Ao humano Serafim, ao Anjo humano,
Que a divinos rubis esmalta o peito,
Com profunda atenção, maior respeito
Edifício erigir quis soberano.
Neste piedoso obséquio o mais luzido
Conseguiu o Monarca prodigioso
Na fama eternizar-se esclarecido.
Divino o impulso foi, foi portentoso,
Pois se Casa a Francisco há construído,
A seu nome fez Templo o mais glorioso.
Glosa ao último verso
de Camões no Canto primeiro oitava terceira
Que outro valor mais alto se levanta
Soneto 7
Não cante Babilónia os fortes muros,
Dos Mausoléus não conte a alta vaidade
Artemisa, nem leve aos Céus a idade
Os colossos de Rodes mais seguros.
Já não viva plausível aos futuros,
Das torres, colicéus a imensidade,
Nem mereçam respeito à eternidade
Da famosa Diana os templos puros.
Cessem dos obeliscos as memórias,
E acabem nessa Roma, que as decanta,
Das agulhas, e estátuas as vanglórias.
Cesse tudo o que a fama adora, e canta,
Pois do Templo, e Monarca vejo as glórias,
Que outro valor mais alto se levanta.
Soneto 8
Não aplaudas, ó fama sonorosa,
Desses sete portentos a grandeza,
Que até agora a teus ecos clara empresa
Foram sempre felice, e harmoniosa.
Elevação maior, se mais gloriosa,
Acenda de teu peito a alta nobreza,
Porque eternize em métrica beleza
Nunca ouvida matéria portentosa.
Se digna acção pretendes, que a teus cantos
Imortal vida infunda, e novo afecto,
Entra em Mafra, e venera objectos tantos:
Ali verás, que a pasmo são [sic] discreto
Cada acção do Monarca mil espantos,
Imensas maravilhas cada objecto.
Soneto 9
Gigante de alabastro ao Céu subido,
Promontório de mármores lavrado,
Se Líbano de cedros fabricado,
Claro Atlante de jaspes erigido.
Quantos objectos, Templo esclarecido,
A suspensões diviso arrebatado,
Tantos em ti no imenso, e no elevado
Raros conto portentos com sentido.
A discretos empenhos de aclamar-te,
A soberanas glórias de atender-te
Tuas pompas levara a toda a parte;
Pois quisera ter só, por mais dever-te,
Se mais olhos do que Argos a admirar-te,
Mais bocas do que a fama a descrever-te.
Soneto 10
Contar-te agora, ó Fábio, as portentosas
Excelências, que anima essa estrutura,
Seria numerar da esfera pura
As estrelas, que a adornam luminosas.
Mas se a ouvir desse Templo as primorosas
Perfeições o desvelo teu se apura,
Ouve da minha boca, [a]inda que impura,
Verdades, que dirás são fabulosas.
Eu vi. Oh se o explicara em meus acentos!
Vi as tábuas falar, e repetidos
Vi no mármore frio haver alentos.
Ó Fábio, aqui parece, que ofendidos
Dos meus olhos lograrem tais portentos,
Vão morrendo de inveja os mais sentidos.
Soneto 11
A Deus sagrados mármores, que à idade
Claros portentos sois sendo adorados,
Votos à esfera ardentes, que inspirados
Consagrou reverente a Majestade.
A Deus, puras estátuas, que a piedade
Augusta nesses pórticos lavrados
A alentos, que lhe inspira duplicados,
Fez cantassem seu nome à eternidade.
Oh sempre em vós se atendam permanentes
Do coroado Numen aos auspícios,
Quantas aos olhos dais pompas florentes:
E do tempo, que prostra os edifícios,
Tantas canteis vitórias, que excelentes
Conteis mais, que alabastros, sacrifícios.
Soneto 12
E vós, Monarca Augusto, que aclamado
Esse sólio exaltais, onde eminente,
Do congelado Arcturo à Plaga ardente
Sois a esfera, imortal susto adorado.
Este meu permiti Délfico brado,
Que sem divina inspiração valente
Cantei com rouca voz menos cadente
A assunto tanto o plectro perturbado.
Se algum dia a meu peito, que o deseja Banhar,
Senhor, sagrada etérea chama,
Espero o Orbe de vós cantar me veja:
Então vereis no incêndio, que me inflama
Se à minha Iira todo o Pindo inveja,
Harmonia o Céu todo à vossa fama.
Calliope Sacra, que em doze sonetos á Real Fundação do Convento de Mafra consagra reverente á Magestade Augusta, e Fidelissima delRey D. Joseph I. nosso senhor[...], Lisboa, Miguel Rodrigues, 1753